domingo, setembro 18, 2011

Sobre temas relevantes e atitudes irrelevantes!


Antonio Ozaí da Silva



No Mestrado cursei uma disciplina na qual os pós-graduandos apresentavam seus projetos de pesquisa. Foi muito interessante pois socializávamos nossas pesquisas e nos expúnhamos à análise e questionamentos. Recordo que um dos colegas expôs sua pesquisa sobre o significado dos alimentos nas religiões afros. Lembro dos sorrisos irônicos e comentários à boca miúda. Para muitos dos que se pautavam pelo materialismo histórico e dialético, temas como este não tinham importância. De fato, desqualificava e desrespeitava o colega e, por extensão, seu orientador.
De outra feita, recebi um email cujo remetente solicitava contribuições para um projeto de pesquisa sobre o futebol. Repassei a mensagem a alguns colegas com a esperança de que colaborassem. As minhas expectativas foram frustradas. Uma das respostas que recebi não apenas desqualificava a pesquisa como, ainda que educadamente, me dava um puxão de orelhas por “perder tempo” com tais coisas. Ora, se o pesquisador ingressou no programa de pós-graduação, tem quem o orienta, sua temática teve, portanto, o reconhecimento e a legitimação da instituição. Do ponto de vista acadêmico, por mais exótico e fora do lugar que pareça ao outro, é legítimo. Consideremos, ainda, considerar que o pesquisador dedica parte da sua vida a este objetivo e que envolve o orientador e recursos públicos. Merece, portanto, que seja respeitado.

Os relatos são do passado, mas, infelizmente, são atualizados pelas velhas e novas gerações. Tendo como motivação o Ano Internacional dos Afrodescendentes, lançado pela ONU, a Comissão Organizadora da IX Semana Acadêmica de Ciências Sociais, realizada na UEM, selecionou o como tema geral “E a situação do negro no Brasil?”. Ao escolher tal temática, os organizadores consideram-na, é claro, relevante.

Ora, é legítimo que existam interesses temáticos diferentes e até mesmo que outros considerem seus temas os mais relevantes. Há quem prefira discutir o que acontece na Líbia a debater a questão racial no Brasil. Ok! Cada um tem o direito de investir a vida no que considera importante. Tem o direito, inclusive, de organizar eventos e, com certeza, encontrará apoio na instituição. Mas, por que não reconhecer o mesmo direito ao outro? Afinal, a universidade é um espaço plural e permeado por interesses contraditórios.

Se, ainda que sob a retórica ideológica, anula-se a manifestação dos que não se encaixam nos “ismos” que defendemos, então estaremos diante de uma perspectiva autoritária. Ou por acaso só os nossos temas são relevantes no campus? Divergências existem e ainda bem. Infelizmente, a cultura autoritária é renitente.

Temos o direito de divergir, mas será respeitoso desconsiderar a energia, dedicação e trabalho investidos na organização de um evento, apenas porque a temática não nos interessa? Na perspectiva dos envolvidos, os temas sempre são relevantes. Por que a questão racial é menos relevante do qualquer discussão abstrata fundada em “ismos”? Por acaso, eleger a obra de Marx ou de algum dos “herdeiros” como objeto de estudo e análise nos torna melhores e mais importantes que os demais? Será que nada temos a aprender com os outros? Se não participamos e boicotamos, abdicamos da necessária interlocução com o diferente. Esta atitude também nega a possibilidade de compartilharmos nossa análise e crítica com o outro. Todos perdemos!

Devemos aprender a conviver e respeitar-nos mutuamente! Precisamos cuidar para que as nossas divergências não nos ceguem a ponto de adotarmos atitudes irrelevantes com pompas de muita relevância. A obtusidade dos que erguem muros ideológicos intransponíveis pode se mostrar insana.

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