domingo, setembro 11, 2011

Se a religião é o ópio do povo e fator de legitimação da ordem social vigente...

Religião e Ideologia



*A concepção religiosa dos “crentes em ideologias seculares” é sociologicamente determinista – mais do que isso, é mecanicista, pois imaginam que a religião é apenas reflexo da estrutura econômica. Sacrifica-se a dialética no altar da crítica à religião. Trata-se de um pensamento tosco e reducionista. Esquece-se, como afirma Berger, “que a mesma atividade que produz a sociedade também produz a religião, sendo que a relação entre os dois produtos é sempre dialética”.[1]

Se a religião é o ópio do povo e fator de legitimação da ordem social vigente, e se esta repousa numa dada estrutura econômica, então, é lícito supor que, na perspectiva do reducionismo economicista, o ser humano superará a religião quando a estrutura, as “condições objetivas”, se transformar e possibilitar a superação do reino da necessidade. Este é um argumento que desconsidera a psique e os dilemas da condição humana que transcendem os aspectos materiais.

Por outro lado, seja na perspectiva religiosa ou secular, os mesmos fatores que legitimam o status quo – religião e ideologia – também podem questioná-lo. Se isto é evidente no que diz respeito às ideologias críticas à sociedade capitalista, parece escapar à compreensão de alguns dos que se debruçam sobre o fenômeno religioso. Observe-se que a mensagem religiosa pode ser conformista, mas também pode representar a promessa de construção de uma sociedade mais justa e igualitária espelhada nas palavras do livro sagrado. A leitura crítica da bíblia e sua aplicação prática pelos que abraçaram a Teologia da Libertação é um exemplo.

A religião, para além de considerações críticas, cumpre ainda um papel importante na medida em que contribui para que os indivíduos se sintam minimamente seguros no mundo. Não é por acaso que a secularização não conseguiu suprimir os sentimentos religiosos e em lugar do desencantamento vemos a busca crescente da religião. Talvez isto se explique pela necessidade de segurança ontológica que temos. Como escreve Berger: “A religião serve, assim, para manter a realidade daquele mundo socialmente construído no qual os homens existem nas suas vidas cotidianas”.[2]

É interessante observar que as ideologias também cumprem esta função. Os homens e mulheres adeptos de determinadas ideologias apegam-se, à maneira religiosa, em certezas e verdades que, a depender do grau de adesão e das características destas, não admitem a dúvida. E, tal qual o religioso crítico em sua instituição, os que ousarem questionar as certezas compartilhadas fervorosamente serão expurgados como hereges. Um bom exemplo deste procedimento é a crise, até mesmo existencial, em que mergulharam os adeptos de determinados ismos quando estes perderam as suas referências e desabaram como castelos de areia (atente-se para eventos históricos como a queda do muro de Berlim e a desintegração da URSS).

Concluindo estas reflexões, afirmo a hipótese de que a separação sagrado/profano, religião/política, Igreja/Estado, religião/ideologia, não é tão absoluta como poderíamos imaginar. A relação entre estes pares não é dicotômica e excludente, mas complementares. Parece-me que o melhor método para compreender estes fenômenos é o que nos permita observar as contradições e o movimento dialético com parte de uma totalidade resultante da práxis humana. Os homens e mulheres historicamente determinados produzem a vida material, mas também as ideologias e a religião. E estas são tão necessárias para a vida cotidiana como o pão que os alimentam e os bens materiais que tornam as suas vidas mais suportáveis. Dessa forma, é possível avançar na direção do aprofundamento de outra hipótese: a de que as ideologias seculares, para serem eficazes, também atuam à maneira religiosa, com seus cultos, mitos, templos, livros sagrados, sacerdotes, profetas e discípulos. Serão as ideologias formas profanas de religião?

Referências bibliográficas utilizadas

BERGER, P. O dossel sagrado. São Paulo: Paulinas, 1985.

CAILLOIS, R. El hombre e el sagrado. México: FCE, 1996.

CROATO, J. S. As linguagens da experiência religiosas. São Paulo: Paulinas, 2001.

__________. Os Deuses da Opressão. In: VV. AA. A luta dos deuses. São Paulo: Paulinas, 1985, pp. 39-57.

DOUGLAS, M. Pureza e Perigo. Lisboa: Edições 70, s.d.

ELIADE, M. “O Nascimento do Cristianismo”. In: ELIADE, M. História das Crenças e das Idéias Religiosas: de Gautama Buda ao Triunfo do Cristianismo. Tomo II. Rio de Janeiro: Zahar Editores, pp. 97-129.

__________. Aspectos do Mito. Lisboa: Edições 70, 1986.

ENCICLOPÉDIA A. EINAUDI. Volume 30 (Religião-Rito). Verbete: Rito: Lisboa: Imprensa Nacional, 1994, pp. 325-359.

MARTELLI, S. A religião na sociedade pós-moderna: entre secularização e dessecularização. São Paulo: Paulinas, 1995.

PAIM, A., PROTA, L e RODRIGUEZ, R. V. Curso de Humanidades 4 – Religião (Guia de Estudos). Londrina: Editora UEL; Instituto de Humanidades, 1997.

PONDÉ, L. F. “Religião como crítica: a hipótese de Deus”. In: CULT. “Cristianismo e Modernidade”. Edição especial, nº 64, Ano VI, Editora 7, pp. 07-19.

RIVIÈRE, C. Os ritos profanos. Petrópolis: Vozes, 1997.

ROSSI, Luiz Alexandre Solano. “Mitos: ferramentas que proporcionam investigações sociológicas”, mimeo.

STENMARK, M. “Racionalidade e compromisso religioso”. Numen: revista de estudos e pesquisa da religião. Juiz de Fora, v. 2, nº. 2, pp. 11-27.

* As ideias expostas aqui estão relacionadas com os textos “Sacralização da política, profanação da religião”, disponível em http://antoniozai.wordpress.com/2011/07/16/sacralizacao-politica-profanacao-religiao/;  e, “Religião, Ideologia e Utopia”, disponível em http://antoniozai.wordpress.com/2011/08/20/religiao-ideologia-e-utopia/. Expressa a tentativa de organizar idéias e se propõe a levantar interrogações que pressupõe aprofundamento teórico e pesquisa.  As contribuições dos leitores, com sugestões, críticas e comentários são bem-vindas.

[1] BERGER, P. O dossel sagrado. São Paulo: Paulinas, 1985, p.61.

[2] Idem, p. 55.

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