sábado, setembro 24, 2011

Filósofos e pensadores contra as mulheres



“Ninguém admite o antifeminismo. Ninguém diz: “sou um misógino”, escreve Bloch.[1] Esse discurso é uma fala autorizada e que autoriza; remete às autoridades sacras e/ou de intelectuais de renome. Muitas vezes, trata-se de uma retórica intelectualizada e pretensamente científica, mas que, a despeito das melhores intenções, revela um pensamento e comportamento que concebe as mulheres como seres humanos inferiores, incapazes até mesmo de filosofar.


Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865)
É um paradoxo que encontremos exemplos de misoginia entre os filósofos e pensadores considerados pilares da cultura ocidental civilizada. Proudhon nega às mulheres os direitos de cidadania política plena. Por concebê-las como inferiores aos homens, ele imagina uma fórmula aritmética, pseudocientífica e justa, que determine o valor e a grau de representação política do sexo feminino:

“Idéias desconexas, raciocínios ilógicos, ilusões tomadas por realidade, analogias vazias transformadas em princípios, uma disposição de espírito fatalmente inclinada à destruição: esta é a inteligência da mulher (…). E uma vez que, no que concerne à vida econômica, política e social, o corpo e a mente trabalham juntos, cada um multiplicando o efeito do outro, então o valor físico e intelectual do homem comparado ao a mulher atinge uma proporção de 3 x 3 para 2 x 2, ou de 9 para 4. Sem dúvida, se a mulher contribuir para a ordem e a prosperidade social no grau que lhe corresponde, é justo que sua voz seja ouvida; mas que na assembléia geral o voto do homem conte por 9 e a mulher por 4; isto é decidido pela aritmética quanto pela justiça”.[2]

A mulher é concebida como inferior e parece justo que seus direitos políticos sejam limitados. Na filosofia moral proudhoniana a mulher tem valor intelectual menor. Para Proudhon: “Ela não generaliza de modo algum, não sintetiza. Sua mente é antimetafísica”. Ele é taxativo: “A mulher não filosofa”.[3]


Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831)
O fundador do anarquismo moderno tem a companhia de outros filósofos ilustres como Hegel. Para o filósofo alemão: “As mulheres são passíveis de educação, mas não são feitas para atividades que demandam uma faculdade universal, tais como as ciências mais avançadas, a filosofia e certas formas de produção artística. As mulheres podem ter idéias felizes, gosto e elegância, mas não podem atingir o ideal”.[4]

Michelet, contemporâneo de Proudhon, desenvolve preconceito análogo ao afirmar que a mulher “é produtiva pela sua influência sobre o homem, tanto no ideal como no real. Mas o seu pensamento raramente atinge uma realidade sólida; e é por isso que ela tem criado tão pouco”.[5]


Cesare Lombroso (1835-1909)
Cesare Lombroso, famoso criminalista, arremata com um argumento científico sobre a suposta inabilidade da mulher para filosofar. Segundo tão proeminente cientista:

“Encontra-se outra prova da inferioridade da mente feminina em seu poder inferior de abstração, e em seu grande preciosismo. A inteligência da mulher é vista como deficiente no que concerne à forma mais alta de evolução mental, a faculdade de síntese e de abstração; em contraste, ela se distingue pela sutileza de análise e percepção clara dos detalhes”.[6]

Na filosofia, a naturalização da inferioridade feminina é tão antiga quanto a obra de Aristóteles![7] Schopenhauer, por exemplo, apresenta um sofisticado argumento atinente à seleção natural:


Arthur Schopenhauer (1788-1860)
“Pois assim como a natureza equipou o leão com garras e dentes, o elefante com presas, o javali com colmilhos, o touro com chifres e a siba com tinta, do mesmo modo equipou a mulher com o poder da dissimulação como seu meio de ataque e defesa, e transformou nesse dom toda a força que conferiu ao homem na forma de força física e poder de raciocínio. A dissimulação portanto é inata nela (…). Fazer uso disso a cada oportunidade é tão natural para ela como o é para um animal empregar seu meio de defesa sempre que é atacado (…). Uma mulher inteiramente confiável que não pratica a dissimulação é talvez uma impossibilidade”.

Para Schopenhauer: “Como o sexo mais frágil, elas são levadas a se fiar não só na força como na astúcia; daí sua sutileza instintiva, e sua tendência incorrigível a contar mentiras”. [8] Se a mulher é, por natureza, dissimulada, isto é, fingida, astuta, ardilosa, mentirosa, etc., ela é incapaz de atingir a verdade filosófica. Explica-se, assim, sua incapacidadede filosofar.


Friedrich Nietzsche (1844-1900)
Nietzsche, não deixa dúvidas:

“O que é a verdade para uma mulher? Desde o início, nada foi mais alheio, repugnante e hostil à mulher do que a verdade – sua grande arte é a mentira, sua preocupação máxima é a mera aparência e beleza. Confessemos nós, homens: reverenciamos e amamos precisamente esta arte e este instinto na mulher”.[9]

Estes filósofos e pensadores representam a civilização ocidental e, indubitavelmente, deram uma contribuição importante à evolução cultural. Claro, pode-se argumentar que suas idéias misóginas nada mais são do que a expressão da época. Não obstante, é lícito observar que se tais idéias expressam as idéias dominantes do seu tempo histórico, era possível pensar diferente. Talvez hoje seja considerado arrogância e estupidez imaginar que a filosofia e outras áreas do pensamento sejam naturalmente destinadas aos homens – ou será que ainda há quem duvide da capacidade das mulheres?!

De qualquer forma, como homens considerados tão inteligentes foram capazes de argumentos tão absurdos, ainda que sob a auréola da filosofia? Como é possível que tenham encontrado crédulos e seguidores? O problema é que, para além da filosofia e dos filósofos, para além das teorias e da ciência, dos teóricos e dos cientistas em geral, ainda há quem acredite piamente que a mulher é inferior ao homem e que lhe deve obediência. Então, já não é da filosofia e teorias que se trata, mas de mulheres e homens de carne e osso; mulheres reais, na vida real, vítimas da misoginia.



* Agradeço ao Josimar Priori pela indicação deste vídeo, relacionado com o tema do post.



[1] BLOCH, R. Howard. Misoginia medieval e a invenção do amor romântico ocidental. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995, p. 64.

[2] PROUDHON, P.J. De la Justice dans la Révolution et dans l’église. Paris: Garnier Frères, 1858, 3 vols., p.348, 361; apud BLOCH, p.87.

[3] Idem, p. 356, 357, 358, apud BLOCH, p. 37.

[4] HEGEL, A Filosofia do Direito, apud BLOCH, p. 37.

[5] Jules Michelet, Woman (trad. John W. Palmer), Nova Iorque: Charleton, 1866, p.202; apud BLOCH, p. 37.

[6] Lombroso, Cesare. La Femme criminelle et la prostituée. Paris: Félix Alcan, 1896, p.180; apud BLOCH, p.37.

[7] Ver A Política, de Aristóteles, disponível em http://antoniozai.wordpress.com/2009/04/22/a-politica-de-aristoteles/

[8] Ver: Essays and Aphorisms, trad. R. J. Hollingdale, Harmondsworth: Penguin, 1970, p. 83; “Ensaio sobre a mulher”, de Schopenhauer, in Parerga und Paralipomena; e H. R. Hays, The Dangerous Sex: the Myth of Feminine Evil, Nova Iorque: G.P. Putnan’s Sons, 1964, p. 209; apud Bloch, p.31 e 48.

[9] NIETZSCHE, F. Beyond Good and Evil, trad. Walter Kaufmann, Nova Iorque: Vintage Books, 1966, p.163; apud BLOCH, p. 31.

Nenhum comentário:

Postar um comentário