domingo, outubro 30, 2011

A experiência da leitura é essencialmente individual, sempre única e nova.

A experiência da leitura!

“O pior leitor é o passivo, resignado, que aceita tudo e lê o livro como uma receita ou bula para o bem viver. Este é o não-leitor” (Milton Hatoom). [1]

“Nunca se obrigue a ler um livro – é um esforço perdido” (Arthur Koestler) [2]

A experiência da leitura é essencialmente individual, sempre única e nova. Parafraseando Rousseau, que afirmava ser a vontade intransferível, ninguém pode sentir as minhas emoções e viver da mesma forma a minha experiência ao ler, por exemplo, A Mãe (Gorki), Pais e Filhos (Ivan Turguéniev), Anna Karenina e A morte de Ivan Ilitch (Tolstoi), Os Demônios (Dostoievski), Germinal (Émile Zola), Eugenia de Grandet e Ilusões perdidas (Balzac), A Revolução dos Bichos e 1984 (George Orwell), O zero e o infinito e Ladrões nas trevas (Arthur Koestler), Zorba, o grego (Níkos Kazantzákis), A leste do Éden (John Steinbeck), Pai patrão (Gavino Ledda), História do cerco de Lisboa, Ensaio sobre a Lucidez, Ensaio sobre a cegueira, A Caverna (José Saramago), Incidente em Antares (Érico Veríssimo), Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis) e tantos outros.

Como expressar o que senti ao ler cada um deles? Qual a influência que tiveram sobre a minha vida? Transformaram o meu ‘olhar’ sobre o mundo, a forma de relacionar-me com a realidade, comigo e com as pessoas próximas e queridas? Contribuíram para a formação política? Influíram na práxis docente? Tornaram-me alguém melhor, mais observador e sensível diante da miserabilidade da condição humana? Penso que sim. Esta, porém, é uma resposta que expressa a minha maneira de conceber a literatura e a relação que tenho com a leitura desde a mais tenra idade – quando lia, à luz do candeeiro, na cidade de Poção (PE), literatura de cordel.

Um dos aspectos essenciais da literatura é que ela nos fala diretamente, sem a necessidade de conceituação e análise interpretativa. Refiro-me à leitura desinteressada, mas que produz emoções, as quais podem nos marcar por toda a vida. Deixemos à teoria e crítica literária e à sociologia da literatura a tarefa de analisar. Este é o campo do leitor especializado, e não do leitor que simplesmente vivencia a experiência da leitura.



É interessante que não recordo das leituras na escola, indicadas por meus professores. A lembrança que tenho não é muito alentadora. Estava no colegial, como dizíamos naquele tempo, e nos foi solicitada a leitura de Dom Casmurro, de Machado de Assis. Era uma tarefa, uma obrigação a cumprir. Foi uma experiência desastrosa e sofrível. Nem recordo se consegui ler até o final. A minha impressão foi péssima e muitos anos se passaram até que, por livre e espontânea vontade, li Memórias póstumas de Brás Cubas. Foi impactante! Suas palavras iniciais tornaram-se parte da minha filosofia de vida, pois elas sintetizam a condição humana e o absurdo das vaidades – tituladas ou não.[3] Um dos melhores livros que li. Tornei-me admirador do autor e li seus contos e outras obras, como O Alienista.[4] Confesso, porém, que não retomei a leitura de Dom Casmurro.

A vida nos ensina muitas coisas – basta disposição para aprender e esforço. Aprendi a melhor selecionar os livros. Os melhores foram os que li pelo prazer de ler. As leituras, porém, nem sempre podem ser feitas com prazer – muito do que leio está vinculado à minha práxis docente; a diferença é que consegui transformar isso num trabalho prazeroso. Contudo, esta não é a regra geral! O paradoxo é que alguns leitores precisam ser “incentivados”. A “obrigação” acadêmica de ler pode dar resultados positivos. Em determinados contextos, a indicação de livros, acompanhada de certo “estímulo” e “convencimento”, aumenta a probabilidade de isso ocorrer. Mas será que contribui para transformar os leitores em indivíduos melhores e cidadãos responsáveis?

[1] HATOOM, Milton. “Leitores incomuns”. EntreLivros 28, agosto de 2007, p. 44. Versão eletrônica disponível em http://www2.uol.com.br/entrelivros/artigos/leitores_incomuns.html

[2] KOESTLER, Arthur. O Iogue e o Comissário. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, S. A., 1947, p.60.

[3] “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”, escreve o autor.

[4] Até me aventurei a escrever sobre a obra. Ver: O Alienista: Literatura, Ciência e Poder. REA n. 72, maio de 2007. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/072/72ozai.htm

3 comentários:

  1. Gostei de seu artigo e amei de Dom Casmurro.
    Não só, a obra toda da maturidade de Machado de Assis foi um fascínio imenso para mim.
    Como você disse, a experiência de cada um só a ele pertence. É pessoal e instranferível.
    Sobretudo, solitária, imensamente solitária,
    como o próprio ato de aprender.
    Melhor para a vida sai quem sabe ler bem a vida.
    Essa é a grande LEITURA.
    Talvez que os livros nos preparem para tanto,
    POIS NOS ENSEJAM REFLEXÕES DIVERSAS, mas não só os livros.
    Seja como for, se o fruto proibido é mais gostoso, o imposto tem gosto amargo, muito amargo.
    Saber dialogar com os alunos para que percebam
    a importância de ler, e dar-lhes um leque imenso de opções - considero o melhor.
    Minha irmã detesta bananas.
    Era a fruta obrigatória de nossa infância,
    quando havia maçãs, laranjas, tangerinas e um
    mundo infinito de escolhas.
    O grande erro é oferecer um prato só, uma sobremesa só, um único cardápio:
    colocar uma mesa farta diante do estudante, e deixar que se sirva, não seria o mais adequado?
    Apreciei demais as suas ponderações,
    abraços,
    Eliana Crivellari-BH-MG

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  2. Corrigindo:
    intransferível
    Eliana Crivelari-BH-MG

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  3. Outra correção:
    Amei Dom Casmurro
    (se ficar mais algum erro,
    perdão)
    Eliana Crivellari-BH-MG

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