RESENHA
Histórias de países imaginários
Histórias
de países imaginários: variedades dos lugares utópicos, organizado por Marcos
Antônio Lopes (Doutor em História pela USP e docente na Universidade Estadual
de Londrina – UEL) e Renato Moscateli (Doutor em Filosofia Política pela
UNICAMP e Pós-Doutorando em Filosofia na Universidade Federal de Goiás – UFG),
apresenta uma rica exposição sobre os sonhos e esperanças de mundos ideais
imaginados pelas mentes férteis dos filósofos e escritores ficcionistas. São os
arquitetos de cidades construídas em ilhas e lugares imaginários, projetos
utópicos de regeneração social orientados pelo ideal da perfeição e harmonia
humana.
A
obra é composta por dez capítulos, escritos por historiadores – na maioria – e
docentes do campo filosófico. São eles/as: Célia Maria Borges (UFJF), Estevão
Chaves de Rezende Martins (UnB), Fábio Duarte Joly (UFRB), João Antonio de
Paulo (UFMG), José Costa D’Assunção Barros (UFRRJ), Márcia Siqueira de Carvalho
(UEL), Marcos Antonio Lopes (UEL), Marcos Lobato Martins (UNIFAL) e Renato
Moscateli (UFG). O objetivo, nas palavras dos organizadores,
“foi o de oferecer um mapa histórico para aqueles que desejarem conhecer a
geografia de alguns dos países imaginários que vêm sendo concebidos desde a
Antiguidade clássica, países cujos territórios foram delineados pela ficção,
mas que nem por isto se desligaram da assim chamada realidade concreta” (p. 7).
Os
autores expõem e analisam o pensamento utópico dos gregos e romanos antigos aos
sonhos e esperanças que mobilizaram os jovens na década de 1960, num trajeto
que inclui as utopias renascentistas, o espírito profético que sacudiu a Europa
moderna, o iluminismo, o ideal socialista científico, a utopia dos prazeres dos
socialistas utópicos e as manifestações utópicas na ficção científica.
Neste
percurso, fica nítido que as Utopias não são apenas devaneios de mentes
ociosas, mas construções imaginárias arquitetadas a partir dos contextos
históricos reais, das vidas e relações sócio-históricas de indivíduos concretos
de carne e osso.
As
Utopias são respostas criativas às desventuras e dilemas da existência humana
em cada época histórica. Da Antiguidade clássica à modernidade, os homens e
mulheres rebelam-se contra a realidade angustiante e anseiam por um outro mundo
no qual os sofrimentos, a desigualdade e opressão social sejam superados. Estes
mundos imaginários tanto podem representar o regresso a um passado idílico
quanto o salto para um futuro, um vir-a-ser que habita os corações e as mentes
dos homens e mulheres do tempo presente.
As
Utopias são elaboradas a partir das diversas fontes que nutrem a imaginação humana.
Inspiradas pela fé religiosa, elas adquirem contornos proféticos que estimulam
a construção do Reino de Deus aqui na terra, mas também podem ser conformistas
na espera do paraíso após a morte. A razão, a ciência, a situação política e
social, também inspiram a construção das Utopias. Em qualquer dos sentidos,
elas negam o real existente e afirmam a esperança de que um outro mundo é
possível.
O
pensamento utópico não está imune às críticas. Não obstante, os arquitetos de
sonhos e esperanças lançam os alicerces de construções imaginárias no solo da
realidade existente e encontram nos indivíduos reais as potencialidades da sua
materialização. As Utopias são construções mentais de indivíduos em condições
sócio-econômicas de pensá-las. Mas o sonho e a esperança não são propriedades
de ninguém em particular. Por mais miserável que seja a condição humana, é
possível sonhar. É a resposta ao desejo humano da justiça, igualdade e um mundo
melhor. Quando as Utopias são assimiladas e tornam-se o móbil profético ou ideológico,
elas alimentam os anseios de transformação social. Ao serem materializadas pela
ação humana, influenciam e mobilizam multidões.
A
leitura de Histórias de países imaginários permite a reflexão crítica sobre
Utopias e as formas que elas assumem nas diversas épocas históricas. Por mais
que o humano busque a perfeição e arquitete modelos de mundos perfeitos, ele
não está desvinculado da realidade imperfeita e, sobretudo, é um ser
imperfeito. Assim, não surpreende que os mundos arquitetados incorporem ideais
de eugenia social, mantenham hierarquias e formas execráveis de relações
sociais.
As
Utopias podem gerar o oposto do ideal proposto. Por mais que sintetizem a
esperança de realizar os sonhos mais generosos, as construções idealizadas são
mediadas pela práxis humana. As Utopias podem se revelar intolerantes,
autoritárias e gerar realidades sociais opressivas.
Na
medida em que seguimos os autores nesta viagem por lugares utópicos e países
imaginários, é-nos possível avaliar criticamente as potencialidades e limites
das Utopias. Estas nos remetem às águas sombrias das distopias tão bem
expressas por autores como George Orwell em A revolução dos bichos e 1984. Eis
um dos méritos deste livro.
Os
arquitetos de Utopias também podem se revelar demolidores de sonhos e
esperanças. De qualquer forma, a realidade social, política e econômica, nos
diferentes contextos históricos, fertiliza o solo em que germinam novos sonhos
e utopias. A esperança se renova. Mas, sem ilusões! Mesmo que as Utopias nos
remetam a mundos imaginários, é salutar manter a razão, o pé no chão da
realidade social e não perder de vista o humano demasiado humano.
A
leitura de Histórias de países imaginários: variedades dos lugares utópicos
contribui para a compreensão dos diferentes significados que as Utopias
historicamente assumem (proféticas, científicas, políticas e sociais, etc.).
Por outro lado, a obra resgata um tema que, a despeito da desesperança de
muitos, permanece atual. Afinal, o ser humano é um ser imaginativo, desejante e
capaz de pensar a vida para além da sua existência. As Utopias são necessárias,
bem como o entendimento delas. Vale a pena ler, sonhar e manter a esperança.
LOPES, Marcos Antônio; MOSCATELI, Renato. (Orgs.) Histórias de países
imaginários: variedades dos lugares utópicos. Londrina: EDUEL, 2011 (172 p.)*
* Publicado originalmente na REA, nº 133, junho de 2012.
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