O sofrimento
Sofrer
é um verbo que se conjuga na primeira pessoa. Ninguém pode expressar a
intensidade do sofrimento do outro. Sim, pode-se sofrer juntos; sofremos,
portanto! Mas não é possível sentir o que o outro sente. A dor que sinto é
minha e de mais ninguém. “A verdade da dor reside naquele que a sofre”, afirma
Alain Corbin.* Mas, se houvesse como medir, qual dor é mais pungente: a física
ou a psíquica? É preferível a dor do corpo ao tormento da alma?
Há
quem faça questão de mostrar que sofre. Chegam a causar um certo mal-estar;
cronicamente deprimidos, parecem não suportar a alegria manifestada ao seu
redor. No limite, parecem culpar os demais pela própria situação. São carentes
egoístas. É-lhes quase que insuportável não receber todas as atenções que
acreditam merecer. Querem afagos ao ego, não suportam a crítica. São
imprevisíveis e frágeis como cristal. Diante deles, o melhor a fazer é manter o
silêncio.
O
sofrimento não é privilégio de ninguém. Não nos tornamos especiais porque
sofremos, pois cada ser humano está sujeito a sofrer e sofre a seu modo. Se uma
pessoa não chora no funeral do ente amado não significa que não tenha
sentimentos, que não sofra. Quem sabe sua dor seja ainda mais intensa por não
se manifestar. Talvez seja mais sensato e respeitoso sofrer silenciosamente e
suportar a dor no recôndito da alma. Por que, por exemplo, o aluno deve
suportar o mau humor do professor se também sofre e as razões do seu sofrer são
desconhecidas para o docente? O aluno e o colega de trabalho não são culpado do
meu sofrer, nem são meus psicólogos. Devo, portanto, poupá-los e, perante eles,
agir como profissional e cumprir a minha função da melhor forma possível. Se
isto se revelar impossível, pois o sofrimento pode tornar-se insuportável,
então devo me afastar da sala de aula para tratar da minha saúde psíquica.
O
sofrer não me concede qualquer direito especial sobre os demais. Às vezes,
agimos de tal maneira que afastamos as pessoas e, paradoxalmente, isto nos faz
sofrer ainda mais. Em nosso egocentrismo imputamos a “culpa” à insensibilidade
do outro, mas nos recusamos a olhar para dentro de nós mesmos e a fazemos a
reflexão necessária sobre as nossas atitudes. Por que, em vez de cobrar o outro
por não se adequar às nossas expectativas, não fazemos auto-análise? Será o
receio de descobrir que o problema está no eu que anula a possibilidade do nós?
Todos temos carências, todos precisamos e queremos atenção. O carente mórbido,
no entanto, age como se carregasse todo o fardo do mundo. Ele deseja que
permaneçamos em sua órbita, é o centro do mundo!
O
sofrimento é inerente à existência humana. Uns sofrem por amar, outros por não
serem amados; sofre-se pela separação ou por querer estar junto; sofre-se por
amar demais e pela ausência do ser amado; sofre-se pela consciência da culpa e
também por culpar; sofre-se, enfim, por motivos que, aos olhos dos outros,
parecem banais. Um gesto, uma palavra, uma frase podem causar sofrimento. Mas
também a ausência do gesto, da palavra e da frase pode fazer sofrer. Sofre-se
pela morte dos que amamos, por ver o sofrimento físico e pela incapacidade de
ajudar, etc. Em algum momento da vida, de uma forma ou de outra, todos
sofremos. Não obstante, talvez mais dilacerante que o sofrer seja a consciência
de ser o móbil do sofrimento do ser amado, quando o sentimento da culpa
atormenta a alma.
Só
a morte nos liberta de todo o sofrer! Quem sabe seja esta a principal mensagem
que o suicida nos lega. Fico a pensar sobre a intensidade da dor, do sofrer que
dilacera o corpo e a alma e a desesperança de quem comete o suicídio. Por isso,
embora ame demais a vida e não recomende tal solução a ninguém, tento
compreender este gesto!
*
CORBIN, Alain. Dores, sofrimentos e misérias do corpo. In: História do corpo:
da Revolução à Grande Guerra, sob a direção de Alain Corbin, Jean-Jacques
Courtine e Georges Vigarello, Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.330.
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