sábado, dezembro 03, 2011

As entrevistas começaram a ser feitas no início de 2005, no período da mais grave crise que acometeu o PT em sua história.


Rumos e escolhas dos caminhantes que fazem a História


Antonio Ozaí da Silva*



O livro “Muitos caminhos, uma estrela”, organizado por Marieta de Moraes Ferreira e Alexandre Fortes, é parte do projeto de História Oral do PT, desenvolvido pelo Centro Sérgio Buarque de Holanda, numa parceria entre a Fundação Perseu Abramo e o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV). Ele resgata a memória de militantes que fundaram e construíram o Partido dos Trabalhadores, lideranças e personalidades reconhecidas dentro e fora do PT.

O projeto prevê a publicação de três volumes. O primeiro volume reúne doze depoimentos, com o objetivo de abranger a diversidade das experiências de vida quanto à origem social, gênero, raça e vínculos com as diferentes correntes políticas que desaguaram no caudaloso leito do projeto de formação do PT. Foram entrevistados: Apolônio de Carvalho, Antonio Candido, Manoel da Conceição, Djalma Bom, Olívio Dutra, Paulo Rocha, Avelino Ganzer, Luiz Dulci, Raul Pont, Hamilton Pereira, Benedita da Silva e Irma Passoni. São diferentes trajetórias de vida que se expressam sonhos e esperanças de diferentes gerações. O ponto em comum entre todos consiste na decisão de seguir a estrela.

Cada depoimento é acompanhado de um verbete introdutório com dados biográficos do entrevistado e também foi incluído um “Glossário de organizações partidárias”, além do índice remissivo. São recursos que oferecem informações importantes e facilitam a leitura. A edição, desde a capa, formato, inclusão de imagens, etc., revela zelo e estimula a leitura.

As entrevistas começaram a ser feitas no início de 2005, no período da mais grave crise que acometeu o PT em sua história. Como reconhecem os organizadores da obra, “é natural que num projeto dessa natureza, as marcas da evolução da conjuntura estão presentes, tanto no ritmo de implementação do projeto a partir de então, quanto na forma como os depoentes estabelecem relações entre o passado e o presente no momento em que suas falas foram registradas” (FERREIRA e FORTES, 2008, p.13).

Este fato, em si inevitável, longe de comprometer o resgate da memória histórica dos entrevistados e, portanto, de uma interpretação do passado influenciada pela experiência acumulada e os valores incrustados nos corpos que vivem o tempo presente, representa dupla contribuição: de um lado, os entrevistados compartilham lembranças e informações sobre a história recente do país, contribuindo para a sua análise e compreensão; de outro, seus olhares sobre este passado representa também uma leitura do presente, uma justificação das escolhas e posturas políticas e pessoais no tempo presente, o que contribui para compreendermos a realidade política atual. É o passado que se faz presente, e, reinterpretado e influenciado por este, legitima as escolhas de ontem e de hoje.

A leitura dessa obra pode ajudar-nos a compreender os caminhos e descaminhos do PT, cujo desenlace é sintetizado pela conquista eleitoral da presidência da República. Contudo, como afirmam os organizadores:

    “...a leitura das entrevistas aqui reunidas constitui uma forma de acesso privilegiado ao modo como essa construção foi vivenciada por vários dos seus protagonistas. Possibilita também compartilharmos do processo de reelaboração do sentido das suas experiências pessoais e coletivas, à medida que foram confrontadas com novas realidades, muitas das quais absolutamente imprevisíveis quando seus destinos se cruzaram para dar origem a uma organização que, com prazer, amargura ou indiferença, qualquer observador é hoje obrigado a reconhecer que transformou a história política do país” (Id., p.15).

Nesta perspectiva, este trabalho extrapola os muros da cidadela petista e representa uma contribuição fundamental aos historiadores, sociólogos, antropólogos, cientistas políticos e todos os que se interessem em apreender a história do Brasil pelo olhar dos que fazem o caminho em seu caminhar e, assim, humanamente configuram o tempo presente, o tempo em que as novas gerações vivem e viverão. Estes caminhantes não se restringem aos líderes e personalidades, mas estes são representativos do seu tempo e das gerações que os consagraram. Ainda que nós, leitores, não concordemos politicamente com os entrevistados e o que eles representam, são histórias de vida que se vinculam às nossas, ao nosso tempo, e, portanto, a dimensão histórica das suas vidas é importante.

“Nossas vidas são a acumulação de nossos passados pessoais, contínuos e indivisíveis”, afirma Thompson (1992, p.195). Um passado que insiste em permanecer presente, permanência inscrita em nossos corpos e sedimentada em nossa memória. Mesmo quando queremos esquecê-lo, ele está lá no recôndito aparentemente inatingível do nosso ser. Essa memória é rica, plena, efetiva e expressa a dimensão do vivido pelos homens e mulheres de carne e ossos, seres que sofrem, sangram e têm os seus medos, mas também se alegram, riem e, sobretudo, são grávidos de esperança e carregam em si a utopia do vir-a-ser. São experiências de vida que podem ser evocadas e compartilhadas com as gerações do tempo presente e, simultaneamente, contribui para a compreensão do passado tal qual ele se apresenta, das organizações e movimentos sociais aos quais as nossas vidas se vincularam. Se o passado teima em viver em nós, é melhor tentar compreendê-lo.

São as nossas escolhas que explicam o que somos; e o que somos, ainda que não o reconheçamos, é um amálgama complexo construído pelas decisões que tomamos em nosso caminhar. As nossas opções também são influenciadas pelas atitudes dos outros diante dos dilemas compartilhados. Em certa medida, o que somos é também a influência dos outros sobre nós. Portanto, ler as memórias daqueles que, reconhecidamente, influenciaram uma época, é também uma forma de dialogar com o próprio passado e presente. Isso, é claro, tem um significado maior para aqueles que em seus caminhos também seguiram a estrela.

De qualquer forma, é um livro que merece ser lido, especialmente por todos os que ainda acreditam na utopia, no vir-a-ser anunciado naqueles bons e velhos tempos da formação do PT, uma necessidade ainda premente. A caminhada exige a reflexão crítica sobre os caminhos percorridos e a leitura pode contribuir nessa direção.



Referências:

FERREIRA, Marieta de Moraes e FORTES, Alexandre. (Organizadores). Muitos caminhos, uma estrela – memórias de militantes do PT. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2008

THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

* Docente na Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Ciências Sociais

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